Páginas

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Olhar da janela


       É um olhar pro lado, do alto da janela, onde as vidas passam sem permanecer. É um espaço de transição e ao mesmo tempo de trajetórias vindas de outros lugares. Aqui a terra sustenta presenças, idas e vindas. Silêncio cintilante das mangueiras. Aqui enterro um pouco de mim. Guardo na lembrança o momento eterno que passou sem deixar indícios de volta. A essa hora o espaço é vago com um passar de memória calada. Passos deslizam no caminhar para o outro lado. Ida, sempre em frente, nunca parado. O tempo leva o sol e o vento passa para nunca mais voltar, somente no outro dia tudo voltará e esse ar seguirá entrando nos meus pulmões para a energia da terra me capturar e compor uma pequena parte dessa imaginação verde encarnada em pedra que me soterrará por entre o mato e a calçada em ritmos simultâneos de vozes e delírios quentes que arde sem cessar.  Tá tudo calado, somente os pássaros cantam; o transito se manifesta e o dia corre como todos os giros do mundo. Praça da Republica, lugar que carrega Belém bem mais que muitos lugares. Aqui o chão fixa o movimento do cotidiano, o verde se mantém presente e compõe a paisagem com o brilho atingido pelo sol do lado do norte. Me furo na capital, num lugar soterrado de gente, de esperanças, de sonhos, de um lugar central aberto que te devora.

       Alguns passam, registram momentos e silenciam na memória o tempo de agora. O fluxo da cidade corre, recorre, busca entender fatos correntes desse lugar jogado no centro. Aqui o território luta com o tempo que desconfigura a história de monumentos singelos. Roubando o olhar, se inundando na sujeira da atmosfera. Tudo muda com as sombras das nuvens, com o funcionamento de vida que faz tudo funcionar. Cada grade grita a liberdade, cada estrutura completa a obra que desenha a praça; ela se sustenta no pó que lhe dá outra forma. Aqui temos um grande chão extenso de pensamentos artístico aberto ao mundo por poucas palavras. O som do ambiente é frenético e o grito para no peito sem ter por onde sair. Tudo é sufoco, ausência de imaginação. De um ponto ao outro temos o levantamento da obra prima escolhida pelo mundo da terra que não pertence a todos que a habitam, é um lugar no céu de demônios que tocam em quatro atos frenéticos o apocalipse em sinfonias guaranianas, onde os índios são engolidos pelo escurecer da floresta desenhada no do teto.  Do outro lado há o silêncio barulhento das ratazanas que se manifestam com o ópio vomitado misturado com a porra lagrimejada de dias e noites, são ejaculações sôfregas expulsa no centro que emana todo o espaço sacudindo os mortos que ouvem o desespero contemporâneo de suas raízes. Há uma linha de chão que divide os dois e no meio dela temos Marianne caminhando em direção à liberdade, saindo do arcaico e visualizando o horizonte entre duas árvores petrificadas que a oprimem. Liberdades são brados constante desse silenciar de tempo. Aqui tudo se faz, é um lugar aberto onde percorre dores, amores e o ser solto pela terra de pensamentos sujos. 

       Aqui os perigos rondam a cena atual, são interpretados por indivíduos deslocados de algum ponto de Santa Maria do Grão. Medo, sustos, vontades estremas que colocam os sentimentos pra fora da pele. São jorradas de animais que te devoram no desperceber soturno da geografia do espaço calado por choros presos aos galhos das mangueiras. Aqui a rua é um lugar aberto dentro de uma plataforma ausente da tranquilidade. As partes são despedaçadas, os sujeitos se aconchegam nos cantos de limos e lama preta. Aqui é preciso deixar a noite passar como o tempo passa acalmando nossos sentimentos no coração. O respirar é solto e o olhar é a única capacidade de vivencia desse absurdo. Olhar ao redor, sem se ausentar de si. Sem deixar de perceber um pequeno ponto aberto na cidade que se desloca da região, do mundo, do universo. É um bom lugar pra se pensar. Dentro da praça as histórias seguem sem fim, apenas com começos próximos com indícios de que o amanhã será eterno. É preciso desemundecer a liberdade em gritos constantes da terra. Aqui a floresta carrega apenas uma praça e no centro disso tudo o tempo passa. Atravessamos os labirintos, silenciamos esse pensamento. Aqui a história continua rodando com o movimento do mundo.





O olhar da janela do ICA surtindo efeito em palavras para o registro memorável de um lugar do alto. Aqui observo o silencio passageiro da Praça da República. Agora os passos são outros. Vamos!

Um comentário: