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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Exercício de leitura da cidade como dramaturgia

Belém se acolhe numa mudança de tempo que se desconstrói na passagem da nuvem escura da tarde. É uma extensão de histórias e lembranças que se esconde nos espaços esquecidos pela memória, nos objetos deixados na rua que compõe a cena cotidiana, na modificação da calçada que se parte do dia para a noite.  
Entre várias ruas que desenham Belém, recortamos uma pequena parte onde sustentamos nossos pés bem antes do fluxo da Av. Gov. José Malcher existir. Bairro de São Brás e Fátima, dois lugares que se misturaram na enorme modificação da capital da cidade. Aqui as passagens são uma desordem que divide entre três linhas parte da três de maio, nela há um rio bem no fundo que passa por debaixo das casas onde escorrem as lembranças. Logo ao lado o quarteirão da Travessa 14 de Abril entre José Malcher e Magalhães Barata divide o chão extenso entre a periferia e o urbano.
Aqui o barulho da cidade atinge a superfície de um quintal passado que deu lugar a um grande estacionamento encoberto por folhas de Taperebá. Não se houve o som do local, há um embrulhamento de caos após o asfalto permanecer nas beiras das casas.  Antes do tempo em que prédios duvidosos e a falta de saneamento geravam os bairros, um valão levava os contornos das lembranças esquecidas como o limo preto até o rio, e que ainda hoje permanece  agarrado ao canal da passagem Antônio Nunes. 
Nesse deslizar de décadas, os bairros se estruturavam com as vidas moldadas pelo sistema caótico do avanço urbano que empurrava o progresso da cidade em novas paisagens que sustentam Belém até hoje. Aqui o tempo joga com o a estagnação da cidade, as lembranças dos mais antigos desmaterializa o contemporâneo das avenidas que se alimentam dos pedestres e do trânsito cotidiano.
Ainda dá pra sentir a calma no fim da tarde em vários pontos misturados ao silêncio sonoro dos pássaros, onde a movimentação do espaço se agarra ao tempo da cidade. São pontos marcados por uma cruz, que diz muito sobre as assombrações de mulheres-animais que acordam o pensamento dos mais antigos à meia noite. 
Tá tudo registrado como um pensamento morto que se esconde no canto da vila, no observar da cruz que diz sobre os pioneiros que ocupavam as primeiras partes da Matinha. Nessa extensão de memoria a poeira baixou e o que se vê nesse embrulhamento é uma plataforma de histórias que desregularizam as ruas junto ao fluxo dos carros que tomaram o lugar do antigo chão de terra. Foi na Domingos com a 03 de maio que o susto marcou a cena atual interpretada por indivíduos da mata. Nas passagens das ruas as placas de “chopp” indicam um alivio ao calor belenense; nesse registro somente o céu assiste tudo mudar.

*texto escrito sobre o olhar dos bairros de Fátima e São Brás para o projeto Reator Eterno do espaço Estúdio Reator, as fotos são de Dudu Lobato