De todas as histórias quemodificavam o cotidiano da escola, me entreguei a uma que refletia sobre o
processo mais importante que fazia tudo funcionar: dirigir um Centro Acadêmico
com outros mobilizadores de ideias. Lá abríamos a porta para o diferente: planejávamos
a recepção dos calouros, as atividades de consentimento artístico, as
contribuições que mantinham em pé a nossa casa, vivíamos de tudo. Junto com
outros estudantes arrumávamos os quartos, limpávamos a sala e montávamos afeira diante do público.
Desenvolvíamos bem as atividades
que exigiam nossa disciplina de discente dentro da academia. Em alguns casos
buscávamos concentrar um grande número de alunos para discuti os problemas
existentes em nossa instituição. Tínhamos dificuldade em nos juntarmos com o
curso de Dança e os cursos Técnicos que eram em horários diferentes do Teatro. Nossa
estratégia era reunir com os representantes de turmas, mas isso complicava um
pouco porque a dinâmica que planejávamos nem sempre atingia a todos. Nos
concentrávamos em nos politizar primeiramente.
A centralização de nossa categoria
estudantil mostrava a nossa contribuição de querer resolver os problemas que
enfrentávamos na ETDUFPA. Através da nossa mobilização conseguimos uma sala
para o C.A, uma xerox, organizamos encontros estudantis e debatíamos a
implementação de um Restaurante Universitário que é o maior problema enfrentado
pelos estudantes da escola. Sempre levávamos propostas de solução desse
problema para uma direção maior que não abraçava a causa dos estudantes; gritávamos
sozinhos. Foi daí para as reuniões de conselho que derramei o leite que trazia
da cozinha. Na gestão que dirigi, não conseguir junto aos estudantes, resolver
essa parte do problema. Como qualquer instituição,
as ordens determinam até onde teus pés podem te levar; a ETDUFPA é como uma
segunda casa para os estudantes que passam o dia desenvolvendo atividades que
esgotam o corpo.
Nessa vivência, fui compondo versos
que dialogavam com os estudantes e passei do eu para todas as outras extensões.
Multipliquei fatos que conduzissem uma relação aberta entre cada indivíduo,
dando voz às paredes que apenas observavam as histórias pertencentes ao
universo da escola de teatro. Sentia-me bem em caminhar pelos quatro cantos e
usufruir de cada detalhe, transvendo cada parte que atravessavam os meus
sentidos. Ali me desqualifiquei. Parei no tempo e minha energia se desfez pelas
gotas que escorriam do teto. Fui buscando pontos de fuga para desenvolver um
novo raciocínio daquele espaço. Tudo gritava dentro de mim e as aulas já não
faziam mais sentido. A repetição do cotidiano me desgastava e minha falta de
paciência em compartilhar minhas noites me bloqueava os pensamentos. Dentro da
escola zerei as condições de sobrevivência, fiquei no game over.[1]
O estranho era ver que todos
permaneciam de acordo com seus movimentos, porém com a rotina de turmas
antecedentes a minha. O espaço se fechou e escureceu as minhas retinas, meus
pés enraizavam-se sobre um grão de areia, o ar sufocava-me como gás metano,
explodia-me, ocupava-me do nada. Em outros momentos me pertencia ao céu, aglutinando-me
ao silêncio movente que desenhava o não visto. Chegava à conclusão de ruptura,
de desistência dos passos. Ficar preso trazia um grande conforto de não
mover-se, de estar ali apenas para cumprir minha obrigação de discente. Mais
que discente seria esse que não produz? Que não se dá nem a intenção de
alimentar-se do conhecimento? O teatro me dava mais sede quando eu o descobri,
mas a fonte já não me saciava e a ociosidade contemplava meu desempenho durante
os semestres. Mesmo tendo a ideia de explorar o vazio, pra onde quer que eu
corresse, me sentiria como se ainda estivesse a fazer o mesmo de sempre, sem
avançar a um outro entendimento do espaço daquela escola. Precisava perfurar as
camadas que encobriam a minha pele. Olhar além do olho da máscara.
Eu canso quando o som ao redor se expandi dentro de mim. Mostro
ausência de sensatez e me cubro de metáforas aglutinadas na minha imaginação.
Busco um revés que modifica os estreitos caminhos oblíquos da rotina. Paro.
Sufoco em pensamentos. Desabo em poeira soltas que invadem minha retina. São
tempos rápidos e o entendimento dessa situação gera um caos nos poros que
aniquilam o individuo. Tudo é confuso. Bagunça encaixotada. Energia esquálida
derradeira. Movo, prendo-me a mim mesmo. Observo o andamento das paredes e caio
no chão que sustenta o mundo. Tudo é frenético. Ausência de motivação. Grito
escorado nas cordas vocais. Vazio cintilante que acompanha a rotina. Circulação
interrompida pelo espaço. Olho de dentro e não enxergo nada. Tudo é fato. Choro
trancado. Batimentos que soltam os brilhos invisíveis. Palma. Estabilidade
caminhante. Encadeamento imóvel. Até aqui o silêncio busca um confronto com ele
mesmo. Por de trás, visões incandescentes que te sustentam na linha cotidiana. Fluxo de sentimentos.
Pedaços embrulhados num lencinho de papel. Ar codificado de gases. Movimentação
psicodélica. Tudo é misturado, andamento retardado, choque de explosão do
intestino. Postagem: Rosácea das forças[2]
(Blog Corpo Palavra, 01/09/2015).
Desenvolver atividades na escola se
tornou mais contribuição coletiva junto aos estudantes do que ter um bom
desempenho. Mudar as rotinas me estabelecia certo tipo de dedicação que se
evaporava em mim tal qual algodão doce na água. Tinha que escolher entre
assistir aula ou me encantar com o mundo artístico oferecido pelo outro lado do
muro. Até ali eu só percebia a escola de teatro como universidade. Nada além de
um quadrado que me ensinava valores profissionais que um artista deve ter na
sua qualificação de cidadão. Eu rompia o elo que meu cérebro desenvolvia com a
realidade durante as disciplinas que me despertavam um bom funcionamento das
teorias teatrais. No terceiro céu[3]
sobrevoava na pequena janela para equilibrar o silêncio que escapava quando um
olhar me dirigia e me fazia buscar no ar uma explicação sobre aquele magnífico
espaço que tomou conta do meu ser durante esses anos de curso.
Como um balão levantando voo,
redobrava as voltas no quarteirão e desenvolvia um novo olhar sobre o
entendimento do espaço. O curso me ensinava formas de sobreviver; de investir
em conhecimento e desbravar as fronteiras que me aglutinavam os
pensamentos. A vontade de sobreviver me
distanciava do portão; caminhar acordavam meus pés e pude reler em mim a
extensão de um olhar que observava sem ser visto. Ultrapassei o muro da escola,
da universidade e fui produzindo novos registros de aprendizado:
Carrego
a minha mochila. Topo. Tudo bagunça. Volto e recomeço. Descanso o corpo para a
mente poder acompanhar. Respiro, solto sufoco. Amo, renasço. O teatro sempre me
mostra um bom ponto para recomeçar e descobrir como é que se conquista. Penso
muita coisa, quase tudo. E o que me sobra no pensamento compartilho para os
outros terem um pouco de mim. Postagem:
Congratulações (Blog Corpo Palavra
30/03/2015).
>>>Continuar lendo<<<
[1]
Game over significa fim de jogo, onde game
significa jogo e over fim. A expressão é muito utilizada para jogos de vídeo
game, computador, jogos online e etc., e aparece sempre que a pessoa chega ao
fim do jogo ou acabou de perder.
[2]
Rosácea das forças: "trata-se de um espaço
direcional adaptável a todos os movimentos do homem, sejam eles físicos ou
psicológicos, um simples movimento do braço ou uma paixão devoradora, um gesto
da cabeça ou desejo profundo, tudo nos leva ao 'empurrar / puxar'". (O
corpo poético - Jacques Lecoq, 2010).
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