Tinha aquele lugar que chamávamos de: a sala. Era
um espaço que recebia todos da turma com um certo abraço que nos proporcionava
um bem a vontade para compartilharmos ideias uns com os outros. Sempre
fico surpreso quando os pensamentos rolam a solta pelo espaço, são
pensamentos instigantes, secos, alegres, monótonos, provocadores, humanos.
São pensamentos com pequenos fragmentos que nos ver o "eu" por dentro
e vislumbra nossas próprias imaginações. E dentro desse cômodo chamado sala,
sempre nos superamos enquanto companheiros de turma. Ali estamos propostos a
tudo, do riso ao choro. São verdades emocionantes e outras com um pouco de
dramatização que até acreditamos. Postagem:
Finalizações dos trabalhos (Blog Corpo
Palavra, 22/10/2012).
Conhecer, aprender, pesquisar,
educar, ensinar, errar, compreender, ouvir, falar, se expandir, voar até o
limite do teto, permanecer estável no alto, ser uma poeira planando no espaço.
Carregar toda história vivenciada e gravar na memória. Silenciar verbo, iniciar
um ciclo e ter como base um objetivo: cursar uma
licenciatura em teatro na UFPA. A sala
de aula era o espaço onde todos se entrelaçavam, lá conhecíamos o universo
teatral. Todos se jogavam de acordo com sua vontade de querer criar, modificar.
Se ausentar de si. Transitávamos entre a teoria e a prática e construímos registros,
documento memorável do nosso aprendizado. Dependíamos de quem estava do outro
lado. Desenhávamos pensamentos e compartilhávamos das pequenas ideias às
grandezas que apresentavam a nós, o mundo.
Naquela sala preta se deu o início
de tudo. Entramos pelo pequeno movimento da maçaneta e fomos puxados para
dentro do neutro e descobríamos um universo encaixotado onde sonhos seriam
descobertos, palavras seriam inventadas e o inútil seria importante para o
nosso aprendizado. Vivíamos entre o interno e externo que se movimentava e
gritava entre paredes. Aquele lugar era o mundo de descobertas para a vida.
Ingressei apenas com minha bagagem de conhecimento artístico e me apresentei ao
espaço, iniciei um ciclo com a turma 2012 e coloquei-me a disposição de
representar nossa história. Como tudo era novo, tratei de conhecer o ambiente e
todos os seres que transitavam pela sala. Vidas brotavam do compartilhamento,
do olhar íntimo trazido de algum lugar do planeta. Tudo orbitava nos devaneios entregues
à sala preta carregados de vida, de olhares íntimos e de múltiplas fontes de
conhecimentos das histórias de vida.
Para
analisar o nosso ser na hierarquia de uma ontologia, para psicanalisar o nosso
inconsciente enterrado em moradas primitivas, é preciso à margem da psicanálise
normal, dessocializar nossas grandes lembranças e atingir o plano dos devaneios
que vivenciávamos nos espaços de nossas solidões (BACHELARD, 2008, p. 28).
Eu analisava a mim mesmo em cada
ponto, apresentava nos exercício as lembranças das minhas solidões gravadas na
memória. Ausentava-me no pequeno canto que me alimentava da descoberta de
outros pensamentos, das imaginações de autores, da troca com os professores,
funcionários, companheiros de cena, das pessoas que transitavam o espaço e das
trajetórias de vidas que seguiram comigo durante o ciclo. Entreguei o que
carregava em meu esconderijo intimo e compus um som que levasse ao outro parte
do meu ser. Da minha vida dilatada em palavras, da minha imprecisão, devaneios
e do que batia dentro de mim. Mais que o dialogo, experimentei viver essa fase
que sustentava os meus pés. Eu era um ser no meio de um ponto que se conectava
a outros pontos que se aglomeravam como as raízes de uma árvore. Construímos um
vinculo de turma:
Fechado
no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas saído do ser, sempre há
de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é circuito, tudo é rodeio,
retorno, discurso, tudo é rosário de permanências, tudo é refrão de estrofes
sem fim (BACHELARD, 2008, p. 217).
Foi das histórias particulares de
cada um que partimos para um universo acadêmico. Trafegávamos nas linhas da
pesquisa e da educação, no vasto campo teatral e na experiência de vivenciar
quatro anos de curso. Era sempre no horário das 18h30 que quebrávamos o
espaço-tempo do cotidiano e nos ausentávamos do mundo. Multiplicávamos em três
horas o que aguçava no interno para o externo dentro da sala, mudávamos com o
novo, com o outro que trazia o material que faria a dinâmica funcionar. Eram
vidas que marcavam foco e caminhavam pelo espaço, se jogavam, caiam, refletiam
sobre o horizonte que entrava pela fresta da janela. Tudo chegava a mim pelaforça da imaginação e pela respiração que sugava todo o ambiente: o som, as
cadeiras, o quadro, as infinitas palavras, a luz, o escuro, o movimento
geográfico do espaço, os pequenos detalhes e a imensidão que é está vivenciando
algo sem “raciocinar” sobre.
Primeiro contato que tive com a turma de 2012 de
Teatro. A turma que fechou um ciclo na ETDUFPA. Estava começando tudo
novamente, com pessoas novas, pensamentos diferentes, vontades diferentes. Tudo
que estava se passando ali iria se alongar por quatro anos ou até mais. Já
tinha um tempo na escola, mais isso não me favorecia de nada, pois de uma forma
ou de outra era novo também. E por ser novo e ter um tempo na escola, não sei
se me dei ou se me deram a obrigação de recepcionar o pessoal que estavam tendo
o seu primeiro contato com esse universo teatral, pois ali era o ponto de
partida. Era divertida a forma como as pessoas iam se soltando aos poucos,
mostrando um pouco de suas personalidades. A apresentação
da Profª Wlad, a conversa que tive com a Glaucia sobre famílias, sonhos e o por
quê do teatro. Postagem: Primeiro dia de aula (Blog Corpo Palavra, em
12/03/2012).
Descobria tudo
dentro de sala, eram informações chegando e sendo construídas. Quando percebia
estava vivendo e parava para observar. Às vezes esquecia-me de tudo, me
desligava da sala. Minha mente latejava, era um querer me deslocar do ambiente,
do cotidiano, cedendo ao que a grade curricular me empurrava. Apagava os olhos
e freava os raciocínios nos parágrafos dos textos, no deslocamento do movimento.
Precisava do vento, da árvore, dos pássaros, de outro chão. Meu corpo vivia um
silêncio dentro de outro silêncio e me desfazia pelo ar abafado e pelo barulho
único que a turma compunha como acordes frenéticos de um conjunto musical.
Fugia de mim mesmo. Queria entrar pela tomada e sair pelo espaço sideral. Desligar-me.
Por todas essas sensações, resolvi conectar-me em rede ao espaço geográfico
virtual. Foi ali que percebi uma fonte que me afogaria ainda mais. Um ponto de
fuga, conteúdos no blog sobre tudo que acontecia e escapava pelas linhas de um
sistema universal. Conheci diferentes dispositivos na sala de aula, desde a Trajetória do Ser[1] ao
TCC e fui buscando, no lá fora, um pouco mais.
Meus primeiros passos se deram
através das leituras apresentadas pelos professores, pelas discursões com osoutros, pelas ideias de entendimento e pelo querer saber, da troca de energia
que o outro compartilhava, da ausência de chão, do suor que se desgastava nas
aulas práticas e da construção de conhecimento que desdobrava em outros seres
no tempo cronológico de 3h20 min. de aula.
Cada discente tinha e tem, sua
qualidade própria. Precisavamos disso para seguirmos no curso. Entre tantas
disciplinas, aprendi com elas, formas de se trabalhar com o teatro. Tinha a intimidade
do coletivo que permanecia em todos os pensamentos. As características
performáticas dos protagonistas da turma 2012 esboçavam fisionomias animalista,
coloriam desenhos dentro de um castelo e como uma ninhada que percorre por cada
canto, descobria o tom da harmonia, da descontração; da amizade que construímos
e do momento único que virou histórias de nossas vidas.
Quando entro na sala ainda ouço o
som de tudo, de cada ser. Parece que ficou no ar, pairando na atmosfera. Eu as
respiro e volto novamente, em pensamentos e sensações, a essa vivência. Forampinceladas de descobertas, laboratório pessoal, êxtase de imaginações. Foi um
compromisso entre a turma em quatro anos. Em alguns momentos fugíamos do
formalismo acadêmico. Para nós, o teatro era outra história: um grande mar de
descobertas. Uma máquina do tempo, um corpo, um movimento único dilacerado,
parado, pequeno silêncio onde o mínimo te toca, era uma experiência nova a cada
momento. Às vezes eram palavras simples, como essas de Eugênio Barba: “no
teatro, a motivação pessoal é uma confissão, consciente ou não, que nasce de
regiões do artista muitas vezes desconhecida a ele mesmo”. (BARBA, 2006, p. 64).
De todos que passaram pela sala, meu pensamento se volta a cada um deles. Mesmo
sem compreender plenamente o que foi essa experiência, penso que Barba me ajuda
com suas palavras:
O
teatro é constituído de raízes que brotam e crescem num lugar bem preciso, mas
também é feito de sementes trazidas pelo vento, seguindo as rotas dos pássaros.
Os sonhos, as ideias técnicas viajam com os indivíduos, e cada encontro
deposita o pólen que fecunda. Os frutos amadurecem devido ao trabalho teimoso,
à necessidade cega e ao espirito da improvisação, e contêm as sementes de novas
verdades rebeldes (BARBA, 2006, p. 64).
Imagem 2: Licenciatura em Teatro,
turma 2012.
Foi com essa turma que formei o meu
pensamento teatral na universidade. Cada um mostrou seu potencial em sala e
deixamos um pouco de nós em nossas memórias. A sala de aula foi o espaço de transição
onde o meu pensamento de vida se modificou com o desencadeamento da pesquisa
dentro da universidade. Procurei errar sem conhecer, aprendia e inventava
outras coisas. Superei-me, andei pela parede, toquei no teto; quebrei a cabeça e abri o raciocínio em outras dimensões. A sala de aula era toda a escola de
teatro, do buraco da biblioteca ao céu. Um espaço de transição de vidas, vozes,
casas, gerações, linhas de fuga, raízes, um grande platô, uma árvore, um mapa.
Fui escrevendo o que o cérebro
decodificava em olhar. Atuava nas informações que problematizavam o espaço.
Recebia conteúdos e me juntava a outros grupos, a outros pensamentos que
levantavam voos em outras extensões. Sentia-me dilatado pela escola: observava
o silêncio, a chuva que abafava os gritos, o final da noite quando os portões
se fechavam e traziam o sono do castelo. Vivi pelas emoções, pela minha turma,
pelas imaginações que transbordavam uma saliente lágrima que apertava o
coração. Como um grande palco, a história se dava a cada instante que pensava
teatro. Experenciei de tudo: vi um elefante no pátio, um quintal maior que o
mundo, a toca da biblioteca, a terceira margem do céu e uma linha infinita de
vidas.
[1] Trajétoria de Ser é uma das atividades curriculares
que compõem o primeiro semestre do curso. Essa atividade é considerada a porta
de entrada e de acolhimentos dos alunos licenciandos no universo do curso e do
teatro. Basicamente, ela tem o objetivo de dar conhecimento sobre as diferentes
histórias de vida presentes na
composição do coletivo que se inicia – no caso, a turma 2012.
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