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segunda-feira, 11 de abril de 2016

SALA DE AULA

Tinha aquele lugar que chamávamos de: a sala. Era um espaço que recebia todos da turma com um certo abraço que nos proporcionava um bem a vontade para compartilharmos ideias uns com os outros. Sempre fico surpreso quando os pensamentos rolam a solta pelo espaço, são pensamentos instigantes, secos, alegres, monótonos, provocadores, humanos. São pensamentos com pequenos fragmentos que nos ver o "eu" por dentro e vislumbra nossas próprias imaginações. E dentro desse cômodo chamado sala, sempre nos superamos enquanto companheiros de turma. Ali estamos propostos a tudo, do riso ao choro. São verdades emocionantes e outras com um pouco de dramatização que até acreditamos. Postagem: Finalizações dos trabalhos (Blog Corpo Palavra, 22/10/2012).

Conhecer, aprender, pesquisar, educar, ensinar, errar, compreender, ouvir, falar, se expandir, voar até o limite do teto, permanecer estável no alto, ser uma poeira planando no espaço. Carregar toda história vivenciada e gravar na memória. Silenciar verbo, iniciar um ciclo e ter como base um objetivo: cursar uma licenciatura em teatro na UFPA. A sala de aula era o espaço onde todos se entrelaçavam, lá conhecíamos o universo teatral. Todos se jogavam de acordo com sua vontade de querer criar, modificar. Se ausentar de si. Transitávamos entre a teoria e a prática e construímos registros, documento memorável do nosso aprendizado. Dependíamos de quem estava do outro lado. Desenhávamos pensamentos e compartilhávamos das pequenas ideias às grandezas que apresentavam a nós, o mundo.

Naquela sala preta se deu o início de tudo. Entramos pelo pequeno movimento da maçaneta e fomos puxados para dentro do neutro e descobríamos um universo encaixotado onde sonhos seriam descobertos, palavras seriam inventadas e o inútil seria importante para o nosso aprendizado. Vivíamos entre o interno e externo que se movimentava e gritava entre paredes. Aquele lugar era o mundo de descobertas para a vida. Ingressei apenas com minha bagagem de conhecimento artístico e me apresentei ao espaço, iniciei um ciclo com a turma 2012 e coloquei-me a disposição de representar nossa história. Como tudo era novo, tratei de conhecer o ambiente e todos os seres que transitavam pela sala. Vidas brotavam do compartilhamento, do olhar íntimo trazido de algum lugar do planeta. Tudo orbitava nos devaneios entregues à sala preta carregados de vida, de olhares íntimos e de múltiplas fontes de conhecimentos das histórias de vida.

Para analisar o nosso ser na hierarquia de uma ontologia, para psicanalisar o nosso inconsciente enterrado em moradas primitivas, é preciso à margem da psicanálise normal, dessocializar nossas grandes lembranças e atingir o plano dos devaneios que vivenciávamos nos espaços de nossas solidões (BACHELARD, 2008, p. 28).

Eu analisava a mim mesmo em cada ponto, apresentava nos exercício as lembranças das minhas solidões gravadas na memória. Ausentava-me no pequeno canto que me alimentava da descoberta de outros pensamentos, das imaginações de autores, da troca com os professores, funcionários, companheiros de cena, das pessoas que transitavam o espaço e das trajetórias de vidas que seguiram comigo durante o ciclo. Entreguei o que carregava em meu esconderijo intimo e compus um som que levasse ao outro parte do meu ser. Da minha vida dilatada em palavras, da minha imprecisão, devaneios e do que batia dentro de mim. Mais que o dialogo, experimentei viver essa fase que sustentava os meus pés. Eu era um ser no meio de um ponto que se conectava a outros pontos que se aglomeravam como as raízes de uma árvore. Construímos um vinculo de turma:

Fechado no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas saído do ser, sempre há de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é circuito, tudo é rodeio, retorno, discurso, tudo é rosário de permanências, tudo é refrão de estrofes sem fim (BACHELARD, 2008, p. 217).

Foi das histórias particulares de cada um que partimos para um universo acadêmico. Trafegávamos nas linhas da pesquisa e da educação, no vasto campo teatral e na experiência de vivenciar quatro anos de curso. Era sempre no horário das 18h30 que quebrávamos o espaço-tempo do cotidiano e nos ausentávamos do mundo. Multiplicávamos em três horas o que aguçava no interno para o externo dentro da sala, mudávamos com o novo, com o outro que trazia o material que faria a dinâmica funcionar. Eram vidas que marcavam foco e caminhavam pelo espaço, se jogavam, caiam, refletiam sobre o horizonte que entrava pela fresta da janela. Tudo chegava a mim pelaforça da imaginação e pela respiração que sugava todo o ambiente: o som, as cadeiras, o quadro, as infinitas palavras, a luz, o escuro, o movimento geográfico do espaço, os pequenos detalhes e a imensidão que é está vivenciando algo sem “raciocinar” sobre.

Primeiro contato que tive com a turma de 2012 de Teatro. A turma que fechou um ciclo na ETDUFPA. Estava começando tudo novamente, com pessoas novas, pensamentos diferentes, vontades diferentes. Tudo que estava se passando ali iria se alongar por quatro anos ou até mais. Já tinha um tempo na escola, mais isso não me favorecia de nada, pois de uma forma ou de outra era novo também. E por ser novo e ter um tempo na escola, não sei se me dei ou se me deram a obrigação de recepcionar o pessoal que estavam tendo o seu primeiro contato com esse universo teatral, pois ali era o ponto de partida. Era divertida a forma como as pessoas iam se soltando aos poucos, mostrando um pouco de suas personalidades. A apresentação da Profª Wlad, a conversa que tive com a Glaucia sobre famílias, sonhos e o por quê do teatro. Postagem: Primeiro dia de aula (Blog Corpo Palavra, em 12/03/2012).
Descobria tudo dentro de sala, eram informações chegando e sendo construídas. Quando percebia estava vivendo e parava para observar. Às vezes esquecia-me de tudo, me desligava da sala. Minha mente latejava, era um querer me deslocar do ambiente, do cotidiano, cedendo ao que a grade curricular me empurrava. Apagava os olhos e freava os raciocínios nos parágrafos dos textos, no deslocamento do movimento. Precisava do vento, da árvore, dos pássaros, de outro chão. Meu corpo vivia um silêncio dentro de outro silêncio e me desfazia pelo ar abafado e pelo barulho único que a turma compunha como acordes frenéticos de um conjunto musical. Fugia de mim mesmo. Queria entrar pela tomada e sair pelo espaço sideral. Desligar-me. Por todas essas sensações, resolvi conectar-me em rede ao espaço geográfico virtual. Foi ali que percebi uma fonte que me afogaria ainda mais. Um ponto de fuga, conteúdos no blog sobre tudo que acontecia e escapava pelas linhas de um sistema universal. Conheci diferentes dispositivos na sala de aula, desde a Trajetória do Ser[1] ao TCC e fui buscando, no lá fora, um pouco mais.
Meus primeiros passos se deram através das leituras apresentadas pelos professores, pelas discursões com osoutros, pelas ideias de entendimento e pelo querer saber, da troca de energia que o outro compartilhava, da ausência de chão, do suor que se desgastava nas aulas práticas e da construção de conhecimento que desdobrava em outros seres no tempo cronológico de 3h20 min. de aula.
Cada discente tinha e tem, sua qualidade própria. Precisavamos disso para seguirmos no curso. Entre tantas disciplinas, aprendi com elas, formas de se trabalhar com o teatro. Tinha a intimidade do coletivo que permanecia em todos os pensamentos. As características performáticas dos protagonistas da turma 2012 esboçavam fisionomias animalista, coloriam desenhos dentro de um castelo e como uma ninhada que percorre por cada canto, descobria o tom da harmonia, da descontração; da amizade que construímos e do momento único que virou histórias de nossas vidas.

Quando entro na sala ainda ouço o som de tudo, de cada ser. Parece que ficou no ar, pairando na atmosfera. Eu as respiro e volto novamente, em pensamentos e sensações, a essa vivência. Forampinceladas de descobertas, laboratório pessoal, êxtase de imaginações. Foi um compromisso entre a turma em quatro anos. Em alguns momentos fugíamos do formalismo acadêmico. Para nós, o teatro era outra história: um grande mar de descobertas. Uma máquina do tempo, um corpo, um movimento único dilacerado, parado, pequeno silêncio onde o mínimo te toca, era uma experiência nova a cada momento. Às vezes eram palavras simples, como essas de Eugênio Barba: “no teatro, a motivação pessoal é uma confissão, consciente ou não, que nasce de regiões do artista muitas vezes desconhecida a ele mesmo”. (BARBA, 2006, p. 64). De todos que passaram pela sala, meu pensamento se volta a cada um deles. Mesmo sem compreender plenamente o que foi essa experiência, penso que Barba me ajuda com suas palavras:

O teatro é constituído de raízes que brotam e crescem num lugar bem preciso, mas também é feito de sementes trazidas pelo vento, seguindo as rotas dos pássaros. Os sonhos, as ideias técnicas viajam com os indivíduos, e cada encontro deposita o pólen que fecunda. Os frutos amadurecem devido ao trabalho teimoso, à necessidade cega e ao espirito da improvisação, e contêm as sementes de novas verdades rebeldes (BARBA, 2006, p. 64).


Imagem 2: Licenciatura em Teatro, turma 2012.

Foi com essa turma que formei o meu pensamento teatral na universidade. Cada um mostrou seu potencial em sala e deixamos um pouco de nós em nossas memórias. A sala de aula foi o espaço de transição onde o meu pensamento de vida se modificou com o desencadeamento da pesquisa dentro da universidade. Procurei errar sem conhecer, aprendia e inventava outras coisas. Superei-me, andei pela parede, toquei no teto; quebrei a cabeça e abri o raciocínio em outras dimensões. A sala de aula era toda a escola de teatro, do buraco da biblioteca ao céu. Um espaço de transição de vidas, vozes, casas, gerações, linhas de fuga, raízes, um grande platô, uma árvore, um mapa.

Fui escrevendo o que o cérebro decodificava em olhar. Atuava nas informações que problematizavam o espaço. Recebia conteúdos e me juntava a outros grupos, a outros pensamentos que levantavam voos em outras extensões. Sentia-me dilatado pela escola: observava o silêncio, a chuva que abafava os gritos, o final da noite quando os portões se fechavam e traziam o sono do castelo. Vivi pelas emoções, pela minha turma, pelas imaginações que transbordavam uma saliente lágrima que apertava o coração. Como um grande palco, a história se dava a cada instante que pensava teatro. Experenciei de tudo: vi um elefante no pátio, um quintal maior que o mundo, a toca da biblioteca, a terceira margem do céu e uma linha infinita de vidas.





[1] Trajétoria de Ser é uma das atividades curriculares que compõem o primeiro semestre do curso. Essa atividade é considerada a porta de entrada e de acolhimentos dos alunos licenciandos no universo do curso e do teatro. Basicamente, ela tem o objetivo de dar conhecimento sobre as diferentes histórias de vida presentes na composição do coletivo que se inicia – no caso, a turma 2012. 

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