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terça-feira, 12 de abril de 2016

A viagem do capitão tornado

A viagem do capitão tornado[1]

Algumas vezes, pode ter sentido confrontar uma teoria com uma biografia. Na minha viagem pelas culturas, cresceu uma sensorialidade e aguçou-se um estar alerta, que me guiaram na profissão. O teatro me permite não pertencer a nenhum lugar, não estar ancorado a uma só perspectiva e permanecer em transição (BARBA, 2009, p 24).

Grupo de Investigação do Treinamento Psicofísica do Atuante - GITA; Núcleo de Produção e Audiovisual - NUPA; Projeto de extensão Tribuna do Cretino; Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentação em Teatro e Universidade - GEPETU; Grupo de Pesquisa e Extensão Inquietações: arte, saúde e educação; Arte em Movimento - Escola de aplicação da UFPA, Grupo de Teatro Universitário - GTU. Foram tantos projetos aos quais participei na universidade que registrei os detalhes no meu ponto de apoio: http://www.corpopalavra.com. As lembranças encaixotadas na memória derramam sentidos de emoções. O que foi vivido desdobra meus pensamentos em multiplicidades e me empurra para um lugar onde sempre me sinto estrangeiro:





Participar de projetos de pesquisas e extensão enriquecia minha criatividade, construía uma forma de ensinar. Me dilatava em processos de conhecimentos que se inquietavam dentro de mim me fazendo seguir em novas coordenadas. Produzia ideias referentes ao meu aprendizado, escrevia sobre teatro e publicava as minhas organizações de pensamentos cênicos. Desenvolvi atividades administrativas na Assessoria de Comunicação da UFPA, na Coordenação de Produção e Comunicação do ICA, em projetos pessoais fora da universidade que tinham sempre o aprendizado, que obtive no curso, como indutor. Tudo se juntou com a minha experiência e formou caminhos que tenho guardado na minha mochila.

Na universidade me juntei com estudantes de outros cursos para formarmos um conhecimento que atingisse a comunidade fora da academia, trabalhávamos o que aprendíamos em sala e descobríamos fontes diferentes do ensino superior. O processo de formação junto à sociedade nos coloca em percepção de nossos caminhos pertencente a nossa vida, abrindo um leque de referencias que estavam lá antes de entrarmos na universidade.

Quando eu me via no meio do destino a minha localização me atravessava: ETDUFPA/ICA/UFPA. Fui mais além da onde partir: me aventurei pelos encontros estudantis onde a minha linha me conectava a outras áreas de conhecimentos e fui percebendo o viver universidade. A energia era viva, sentia a vibração de todos os tipos de informações e o meu corpo se modificava com o vento, com o som, as plantas, o mapeamento geográfico de onde me localizava. Meus olhos ativavam meus pensamentos e me alimentava de todas as coisas que a minha percepção háptica[2] obtinha na minha trajetória de formando. Trazia pra dentro do curso aplicar a informação obtida, continuava na escrita um registro do pensamento poético teatral. Desenvolvia métodos, pistas que me levassem ao entendimento da minha trajetória nesses “cinco” anos de curso, entender o construía e desconstruía, ampliava minhas referencias e buscava me materializar das palavras, das cores, dos movimentos, do visual, da história, dos objetos e das coisas que o mundo me apresentava. Meu coração estourava numa dimensão em querer ter todos os meus desejos. Estava conhecendo a mim mesmo.

Em busca do conhecimento viajei através de trabalhos aprovados e participei em três edições do Encontro Nacional dos Estudantes de Arte – ENEARTE. Foram três anos de descobertas onde encontrei um meio de diversidades artísticas reunidos num único local. O compartilhamento de ideias cruzava uma nova possibilidade em discutir a nossa geração de artistas que construía o tempo real da vivencia de nossos cursos. Debatíamos nossas grades curriculares em que percebíamos as conquistas, as falhas e os meios de criações; um novo movimento que a arte modificava em sua linguagem hibrida. Entre oficinas e grupos de discussões avançávamos no conhecimento em transgredir a arte em nossas universidades alcançando as linhas de pesquisas. Viver cada encontro influenciava no meu aprendizado, no fazer teatro que me dava obrigação de ser politico em sustentar a minha formação.






Um encontro de estudantes mostra a essência que desperta em nosso amadurecimento profissional. É como se fosse um puxão de orelha do diretor na coxia do teatro enquanto o espetáculo não vai bem. São várias descobertas que guardamos para aplicar em nossa profissionalização. O incrível era perceber que os cursos mesmo em Estado diferentes tinham as mesmas problemáticas que existe em qualquer área de conhecimento. Estávamos sempre em confronto com o raciocínio lógico que a realidade nos apresentava. Era a partir disso que criávamos sonhos; registro momentâneo daquela vivencia. Conhecer os Institutos de Artes de outras universidades me colocava em querer dominar todo o espaço e receber o que a minha percepção me inseria naqueles momentos:

Me transporto para uma nova cena cultural onde o invisível visto adentram aos meus olhos. Sinto energia de luz, camadas de pensamentos, casas moventes, sintonia de reflexões. Escapo por entre ruas; pela ponta da caneta. Ganho o mundo numa folha. Solto ar, codifico a mim mesmo em relação ao globo (BERNARD, 2015).



Imagem 13: Diário de Bordo, ENEARTE 2015


Tudo se transformava num grande espetáculo e guardava comigo o cenário, os atores/atrizes, a iluminação, a maquiagem, os figurinos e adereços, a encenação que se colocava na experiência da realidade. Nem sei como descrever, mas se colocarmos as ideias diante da nossa realidade, tudo está visível diante da gente. Quando me lembro dessa vivencia, trago a tona o óbvio aglutinado na minha memória que servirá de material em outras experiências.

Para Ana Cristina Collar, atriz do Lume[3], a trajetória se dá por meio de sentidos a qual o corpo se insere percebendo os detalhes que modificam a reflexão do novo. Tudo está vivo para ser experimentado, vamos guardando nossas experiências e mapeando o caminho percorrido para sempre darmos um novo sentido a eles:

Busco, assim, na memória viva impressa no meu corpo, a matéria para a construção da minha arte. Considero meu corpo como um espaço condensado, uma experiência viva em fluxo constante de atualização consigo e com o meio poroso, permeável. Ele sou eu e eu sou ele, não como meu receptáculo, por onde pairo ou me aprisiono ou me liberto, não como força distintas em parceria, mas como unicidade múltipla (COLLA, 2013).

Desde a entrada na universidade tudo foi se registrando em mim, o meu corpo é a recriação do mundo, minha redescoberta de memória. Entre as imaginações e detalhes do cotidiano que se passaram nesses anos de curso, a imagem ainda é bem forte em meus pensamentos. Tudo se transformava em hipomnemata[4] que colaboravam no meu aprendizado e registro de pensamentos da minha vivencia.






[1] Uma adaptação da obra de Théophile Gautier para o cinema. Um filme mágico que trata de uma época de declínio da commedia dell’arte pela Europa, inserindo o espectador no clima onírico e teatral daquelas mambembes apresentações, com cenários e fotografias quase-fellinianos em sua beleza e fantasia.
[2] A percepção háptica é então um bloco tátil-sinestésico que envolve uma construção a partir de fragmentos sequenciais. Ela mobiliza a atenção e requer uma ampla memória de trabalho para que, ao fim da exploração, haja uma síntese, cujo resultado é um reconhecimento do objeto (Hatwell, Streri e Gentaz, 2000).
[3] O LUME é um Núcleo de Pesquisa Teatral, cujo foco de atenção é o trabalho do ator, sua técnica e sua arte. Criado em 1985, o LUME vem se dedicando a elaborar e codificar técnicas corpóreas e vocais de representação, redimensionando o teatro, enquanto ofício, como uma arte do fazer e o ator como um artesão que executa ações.
[4] Hypomnemata é um palavra grega com várias traduções em inglês, incluindo um lembrete, uma nota, um registro público, um comentário, um registro anedótico, um projecto, uma cópia e outras variações sobre esses termos. De acordo com Michel Foucault, o hypomnemata constituí uma memória material das coisas lida, ouvida ou de pensamento, oferecendo assim estes como um tesouro acumulado para reler e mais tarde ter meditação.

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