A viagem do capitão tornado[1]
Algumas
vezes, pode ter sentido confrontar uma teoria com uma biografia. Na minha
viagem pelas culturas, cresceu uma sensorialidade e aguçou-se um estar alerta,
que me guiaram na profissão. O teatro me permite não pertencer a nenhum lugar,
não estar ancorado a uma só perspectiva e permanecer em transição (BARBA, 2009,
p 24).
Grupo de
Investigação do Treinamento Psicofísica do Atuante - GITA; Núcleo de Produção e
Audiovisual - NUPA; Projeto de extensão Tribuna do Cretino; Grupo de Estudo,
Pesquisa e Experimentação em Teatro e Universidade - GEPETU; Grupo de Pesquisa
e Extensão Inquietações: arte, saúde e educação; Arte em Movimento - Escola de
aplicação da UFPA, Grupo de Teatro Universitário - GTU. Foram tantos projetos aos quais participei na universidade que registrei
os detalhes no meu ponto de apoio: http://www.corpopalavra.com. As
lembranças encaixotadas na memória derramam sentidos de emoções. O que foi
vivido desdobra meus pensamentos em multiplicidades e me empurra para um lugar
onde sempre me sinto estrangeiro:
Participar
de projetos de pesquisas e extensão enriquecia minha criatividade, construía
uma forma de ensinar. Me dilatava em processos de conhecimentos que se
inquietavam dentro de mim me fazendo seguir em novas coordenadas. Produzia
ideias referentes ao meu aprendizado, escrevia sobre teatro e publicava as
minhas organizações de pensamentos cênicos. Desenvolvi atividades administrativas
na Assessoria de Comunicação da UFPA, na Coordenação de Produção e Comunicação
do ICA, em projetos pessoais fora da universidade que tinham sempre o
aprendizado, que obtive no curso, como indutor. Tudo se juntou com a minha
experiência e formou caminhos que tenho guardado na minha mochila.
Na
universidade me juntei com estudantes de outros cursos para formarmos um
conhecimento que atingisse a comunidade fora da academia, trabalhávamos o que
aprendíamos em sala e descobríamos fontes diferentes do ensino superior. O
processo de formação junto à sociedade nos coloca em percepção de nossos
caminhos pertencente a nossa vida, abrindo um leque de referencias que estavam
lá antes de entrarmos na universidade.
Quando eu
me via no meio do destino a minha localização me atravessava: ETDUFPA/ICA/UFPA.
Fui mais além da onde partir: me aventurei pelos encontros estudantis onde a
minha linha me conectava a outras áreas de conhecimentos e fui percebendo o
viver universidade. A energia era viva, sentia a vibração de todos os tipos de
informações e o meu corpo se modificava com o vento, com o som, as plantas, o
mapeamento geográfico de onde me localizava. Meus olhos ativavam meus
pensamentos e me alimentava de todas as coisas que a minha percepção háptica[2] obtinha na
minha trajetória de formando. Trazia pra dentro do curso aplicar a informação
obtida, continuava na escrita um registro do pensamento poético teatral. Desenvolvia
métodos, pistas que me levassem ao entendimento da minha trajetória nesses
“cinco” anos de curso, entender o construía e desconstruía, ampliava minhas
referencias e buscava me materializar das palavras, das cores, dos movimentos,
do visual, da história, dos objetos e das coisas que o mundo me apresentava. Meu
coração estourava numa dimensão em querer ter todos os meus desejos. Estava
conhecendo a mim mesmo.
Em busca
do conhecimento viajei através de trabalhos aprovados e participei em três
edições do Encontro Nacional dos Estudantes de Arte – ENEARTE. Foram três anos
de descobertas onde encontrei um meio de diversidades artísticas reunidos num
único local. O compartilhamento de ideias cruzava uma nova possibilidade em
discutir a nossa geração de artistas que construía o tempo real da vivencia de
nossos cursos. Debatíamos nossas grades curriculares em que percebíamos as conquistas,
as falhas e os meios de criações; um novo movimento que a arte modificava em
sua linguagem hibrida. Entre oficinas e grupos de discussões avançávamos no
conhecimento em transgredir a arte em nossas universidades alcançando as linhas
de pesquisas. Viver cada encontro influenciava no meu aprendizado, no fazer
teatro que me dava obrigação de ser politico em sustentar a minha formação.
Imagem
10: Festa a fantasia ENEARTE 2014, Viçosa - MG
Um
encontro de estudantes mostra a essência que desperta em nosso amadurecimento
profissional. É como se fosse um puxão de orelha do diretor na coxia do teatro enquanto
o espetáculo não vai bem. São várias descobertas que guardamos para aplicar em nossa
profissionalização. O incrível era perceber que os cursos mesmo em Estado
diferentes tinham as mesmas problemáticas que existe em qualquer área de
conhecimento. Estávamos sempre em confronto com o raciocínio lógico que a
realidade nos apresentava. Era a partir disso que criávamos sonhos; registro
momentâneo daquela vivencia. Conhecer os Institutos de Artes de outras universidades
me colocava em querer dominar todo o espaço e receber o que a minha percepção
me inseria naqueles momentos:
Me transporto para uma nova cena
cultural onde o invisível visto adentram aos meus olhos. Sinto energia de luz,
camadas de pensamentos, casas moventes, sintonia de reflexões. Escapo por entre
ruas; pela ponta da caneta. Ganho o mundo numa folha. Solto ar, codifico a mim
mesmo em relação ao globo (BERNARD, 2015).
Imagem
13: Diário de Bordo, ENEARTE 2015
Tudo se
transformava num grande espetáculo e guardava comigo o cenário, os
atores/atrizes, a iluminação, a maquiagem, os figurinos e adereços, a encenação
que se colocava na experiência da realidade. Nem sei como descrever, mas se
colocarmos as ideias diante da nossa realidade, tudo está visível diante da
gente. Quando me lembro dessa vivencia, trago a tona o óbvio aglutinado na
minha memória que servirá de material em outras experiências.
Para Ana
Cristina Collar, atriz do Lume[3], a
trajetória se dá por meio de sentidos a qual o corpo se insere percebendo os
detalhes que modificam a reflexão do novo. Tudo está vivo para ser
experimentado, vamos guardando nossas experiências e mapeando o caminho
percorrido para sempre darmos um novo sentido a eles:
Busco, assim, na memória viva
impressa no meu corpo, a matéria para a construção da minha arte. Considero meu
corpo como um espaço condensado, uma experiência viva em fluxo constante de
atualização consigo e com o meio poroso, permeável. Ele sou eu e eu sou ele,
não como meu receptáculo, por onde pairo ou me aprisiono ou me liberto, não
como força distintas em parceria, mas como unicidade múltipla (COLLA, 2013).
Desde a
entrada na universidade tudo foi se registrando em mim, o meu corpo é a
recriação do mundo, minha redescoberta de memória. Entre as imaginações e
detalhes do cotidiano que se passaram nesses anos de curso, a imagem ainda é
bem forte em meus pensamentos. Tudo se transformava em hipomnemata[4] que
colaboravam no meu aprendizado e registro de pensamentos da minha vivencia.
>>>Continuar lendo<<<
[1]
Uma adaptação da obra de Théophile Gautier para
o cinema. Um filme mágico que trata de uma época de declínio da commedia
dell’arte pela Europa, inserindo o espectador no clima onírico e teatral
daquelas mambembes apresentações, com cenários e fotografias quase-fellinianos
em sua beleza e fantasia.
[2]
A percepção háptica é então um bloco
tátil-sinestésico que envolve uma construção a partir de fragmentos
sequenciais. Ela mobiliza a atenção e requer uma ampla memória de trabalho para
que, ao fim da exploração, haja uma síntese, cujo resultado é um reconhecimento
do objeto (Hatwell, Streri e Gentaz, 2000).
[3]
O LUME é um Núcleo de Pesquisa Teatral, cujo
foco de atenção é o trabalho do ator, sua técnica e sua arte. Criado em 1985, o
LUME vem se dedicando a elaborar e codificar técnicas corpóreas e vocais de
representação, redimensionando o teatro, enquanto ofício, como uma arte do
fazer e o ator como um artesão que executa ações.
[4]
Hypomnemata é um palavra grega com várias
traduções em inglês, incluindo um lembrete, uma nota, um registro público, um
comentário, um registro anedótico, um projecto, uma cópia e outras variações
sobre esses termos. De acordo com Michel Foucault, o hypomnemata constituí uma
memória material das coisas lida, ouvida ou de pensamento, oferecendo assim
estes como um tesouro acumulado para reler e mais tarde ter meditação.
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