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sexta-feira, 18 de março de 2016

ARTIGO PARA O CADERNO DO DIRETO DA DISCIPLINA EXERCÍCIO DA CENA III - ENCENAÇÃO

Este artigo apresenta o processo de produção do monologo Tereza. Mostrando a trajetória de criação da cena que teve a direção de Bernard Freire e atuação de Cleber Cajun. O processo foi desenvolvido a partir do texto “Os três mal amados” de João Cabral de Melo Neto para a disciplina Exercício da Cena 3 – Encenação, ministrada pelas Profª Dra. Wlad Lima e Ivone Xavier, disciplina integrante da matriz curricular do Curso de Licenciatura plena em Teatro da Universidade Federal do Pará – UFPA.

“Criar a sua observação, as suas ideias em dialogo com o processo de produção. Cartografar pistas e meter a mão na massa”. Essas são apenas algumas das obrigações que o Encenador deve ter para se ter uma ideia; obrigações que surgiram para mim durante a disciplina Exercício da Cena III – Encenação, ministrada pelas Profª Dra. Wlad Lima e Ivone Xavier no curso de Licenciatura em Teatro na UFPA. Essa disciplina teve como indutor o texto “Os três mal amados” do João Cabral de Melo Neto para discorrermos sobre a criação artística de percepção diante do texto. Ao ler, a narrativa se dava em torno de três personagens que dialogavam com a existência do infinito; com um caleidoscópio de palavras amarradas a uma linha em frase. Entendimento sobre o amor, a vida e o mundo definido em pequenos detalhes.
Ao ter autonomia sobre o texto, quebrei a forma de entendimento que as palavras ordenavam. Busquei através das inquietações uma captação de novo sentido do texto. Troquei dúvidas por afirmações e fiz suscitar todas as palavras verdadeiras que geravam questionamento. Fui por meio de sentimentos que surgiam através da leitura; rabisquei ideias e modifiquei o plano do personagem. Sobrevoei em busca dos entendimentos.
Pista1 – Caleidoscópio de palavras: primeira impressão do texto

Pista 2 – Plano de pensamento do personagem


No texto, escolhi o personagem João para trabalhar e usa-lo com autonomia em minha criação. Partir de suas dúvidas amorosas e por sua busca incessante por Teresa; amada que lhe qualifica como ser estável a condições imaginativas. A cada sentido de palavra procurava observar a qualidade dela numa encenação. Tentava perceber por de trás das frases o que o ator poderia trabalhar.
Criei pista, rabisquei o plano cenográfico. Busquei Tereza no infinito; num léxico de palavras que as interrogações me trazia. Tirei da minha memória as transformações que o texto me empurrava. Modifiquei o texto por um mapa, criei movimento; investiguei casos em torno das palavras. Pelas pistas desenhadas cartografei o mapeamento de encenação: “As pistas que guiam o cartógrafo são como referências que ocorrem para a manutenção de uma atitude de abertura ao que vai se produzindo e de calibragem do caminhar no próprio percurso da pesquisa” (KASTRUP; BARROS, 2009, p. 13).
Descrever sobre o processo de criação e dialogar com a obra do autor. Ter uma leitura com suas próprias visões e perceber o que nos chega para assim se poder trabalhar. Mesmo sem saber o que poderia acontecer, procurei me ater a receber os pensamentos de João; joguei para encenação, compus ligações com meus registros e compartilhei a recriação da obra. Escolhi o ator Cleber Cajun para encenar e junto montarmos um monólogo que apresentasse o personagem nos três planos da atuação. Me fiz presente, ordenei casos, revir escolhas; tratei das minhas induções como se quisesse entender do ciclo infinito das palavras.  

 
Pistas 3 e 4 – Modificação das dúvidas por afirmações

João descobre dúvidas-afirmativa. Mostra variações dos filtros; perpassa por planos e busca por Teresa. Se perde no caleidoscópio e transgride em situações. Percorre por amores-ilusões-loucuras-sentidos-dores que nasce das perguntas que lhe fazem viver. Risca caminhos que sempre o entrelaça com Teresa. Você realmente vê Teresa?
JOÃO
“Ainda me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda chegando à minha cama. Ainda me volta o espanto de despertar entre móveis e paredes que eu não compreendia pudessem estar enxutos. E sem nenhum sinal dessa água que o sol secou mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio úmido (penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o afugentou, porque os sonhos são como as aves não apenas porque crescem e vivem no ar)”.

Dei liberdade aos sonhos, procurei ver que sentidos eram esses em que João se transbordava. Representei o infinito de distância cercado pelo mar que engoli a dor do personagem. Percebi Tereza num vislumbre que voava junto aos sonhos, que ao chegar ao céu, caia no mar e se afundava junto às dúvidas de João. Mergulhava e voltava num suspiro a procurar de ar, de se manter descansando nas ondas que oscilam o amor. Durante os ensaios, pedia para que o ator me apresentasse o que ele tinha observado através do texto; o que tinha absorvido das pistas e que havia imaginado. Onde poderia estar João nesse mundo?
Através do material que tínhamos imaginado, colocamos o texto de lado e tentávamos criar uma imagem que mostrasse Tereza, o amor presente que João deixa nas frases materializadas. No primeiro encontro passamos por exercício em que buscávamos o estado do personagem, um louco de amor, um individuo jogado no mundo, naufrago, etc. Com essas ideias buscamos o plano de existência de João e fechamos um tipo de personagem que tínhamos tirado das frases do texto.
No segundo encontro tínhamos apenas a ideia do personagem, mas ainda não conseguíamos encontrar um louco que mostrasse a existência do amor dilacerado. Foi então que partimos para a fonte que alimentava as ilusões do personagem: Tereza. Ela seria o mistério que assombrava as dores, o sufocamento em poesia e o desbravamento em pensamentos. Imaginamos Tereza sobrevoando os sonhos de João, presente em sua observação no cotidiano; uma deusa que deixa João entregue ao amor em um corpo que já não responde as vontades próprias. Trouxemos Tereza em um vestido voando sobre os olhos do personagem e que ali o jogo se desenvolvia para a cena.
Antes da apresentação tinha pensado em um lugar adequado para a cena: Portal da Amazônia Belém –PA. Uma praça que fica de frente pro Rio Guamá onde a vento, luz e pessoas passando. Ali se desenrolou um universo onde o amor se decompunha no imenso rio. Montamos um cenário que havia pensado e junto com o trabalho do ator modificamos o espaço para uma instalação cênica ao ar livre. Ele me apresentou um objeto de cena e um figurino que deixasse claro o estado do personagem. 
Pista 5 – Local da apresentação da cena (Portal da Amazônia)

Durante todo o processo sempre pensei nos delírios da personagem. Nas aulas, criava pistas que pudessem chegar ao que havia imaginado. Entre as ideias e os desenho, criei uma cena que buscasse todos os pensamentos que passavam na hora em que lia e que montava junto com o ator a apresentação. A cena se deu ali, na praça, e tudo que vivenciamos nesse processo o resultado respondeu a um processo de encenação que despertou um grande olhar em mim. Uma observação de diretor bem detalhada, com uma cartografia detalhada da cena. Busco guarda essas referencias em outros processos, pois torna uma encenação bastante rica para o processo de criação teatral.


Fotos do vestido, objeto de cena na apresentação.

Vídeo da apresentação da cena

REFERÊNCIAS

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virginia; DA ESCÓSSIA, Liliana (Org.) Pista do método da cartografia. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.

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