Este
artigo apresenta o processo de produção do monologo Tereza. Mostrando a
trajetória de criação da cena que teve a direção de Bernard Freire e atuação de
Cleber Cajun. O processo foi desenvolvido a partir do texto “Os três mal
amados” de João Cabral de Melo Neto para a disciplina Exercício da Cena 3 –
Encenação, ministrada pelas Profª Dra. Wlad Lima e Ivone
Xavier, disciplina
integrante da matriz curricular do Curso de Licenciatura plena em Teatro da
Universidade Federal do Pará – UFPA.
“Criar
a sua observação, as suas ideias em dialogo com o processo de produção.
Cartografar pistas e meter a mão na massa”. Essas são apenas algumas das
obrigações que o Encenador deve ter para se ter uma ideia; obrigações que
surgiram para mim durante a disciplina Exercício
da Cena III – Encenação, ministrada pelas Profª Dra. Wlad Lima e Ivone
Xavier no curso de Licenciatura em Teatro na UFPA. Essa disciplina teve como
indutor o texto “Os três mal amados” do João Cabral de Melo Neto para
discorrermos sobre a criação artística de percepção diante do texto. Ao ler, a
narrativa se dava em torno de três personagens que dialogavam com a existência
do infinito; com um caleidoscópio de palavras amarradas a uma linha em frase. Entendimento
sobre o amor, a vida e o mundo definido em pequenos detalhes.
Ao
ter autonomia sobre o texto, quebrei a forma de entendimento que as palavras
ordenavam. Busquei através das inquietações uma captação de novo sentido do
texto. Troquei dúvidas por afirmações e fiz suscitar todas as palavras
verdadeiras que geravam questionamento. Fui por meio de sentimentos que surgiam
através da leitura; rabisquei ideias e modifiquei o plano do personagem.
Sobrevoei em busca dos entendimentos.
Pista1 – Caleidoscópio de palavras: primeira
impressão do texto
Pista 2 – Plano de pensamento do personagem
No
texto, escolhi o personagem João
para trabalhar e usa-lo com autonomia em minha criação. Partir de suas dúvidas
amorosas e por sua busca incessante por Teresa; amada que lhe qualifica como ser
estável a condições imaginativas. A cada sentido de palavra procurava observar
a qualidade dela numa encenação. Tentava perceber por de trás das frases o que
o ator poderia trabalhar.
Criei
pista, rabisquei o plano cenográfico. Busquei Tereza no infinito; num léxico de
palavras que as interrogações me trazia. Tirei da minha memória as
transformações que o texto me empurrava. Modifiquei o texto por um mapa, criei
movimento; investiguei casos em torno das palavras. Pelas pistas desenhadas cartografei
o mapeamento de encenação: “As pistas que guiam o cartógrafo são como
referências que ocorrem para a manutenção de uma atitude de abertura ao que vai
se produzindo e de calibragem do caminhar no próprio percurso da pesquisa” (KASTRUP;
BARROS, 2009, p. 13).
Descrever
sobre o processo de criação e dialogar com a obra do autor. Ter uma leitura com
suas próprias visões e perceber o que nos chega para assim se poder trabalhar.
Mesmo sem saber o que poderia acontecer, procurei me ater a receber os
pensamentos de João; joguei para encenação, compus ligações com meus registros
e compartilhei a recriação da obra. Escolhi o ator Cleber Cajun para encenar e
junto montarmos um monólogo que apresentasse o personagem nos três planos da
atuação. Me fiz presente, ordenei casos, revir escolhas; tratei das minhas
induções como se quisesse entender do ciclo infinito das palavras.
Pistas 3 e 4 – Modificação das dúvidas por
afirmações
João
descobre dúvidas-afirmativa. Mostra variações dos filtros; perpassa por planos
e busca por Teresa. Se perde no caleidoscópio e transgride em situações.
Percorre por amores-ilusões-loucuras-sentidos-dores que nasce das perguntas que
lhe fazem viver. Risca caminhos que sempre o entrelaça com Teresa. Você
realmente vê Teresa?
JOÃO
“Ainda
me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda
chegando à minha cama. Ainda me volta o espanto de despertar entre móveis e
paredes que eu não compreendia pudessem estar enxutos. E sem nenhum sinal dessa
água que o sol secou mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio úmido
(penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o
afugentou, porque os sonhos são como as aves não apenas porque crescem e vivem
no ar)”.
Dei liberdade aos
sonhos, procurei ver que sentidos eram esses em que João se transbordava.
Representei o infinito de distância cercado pelo mar que engoli a dor do
personagem. Percebi Tereza num vislumbre que voava junto aos sonhos, que ao
chegar ao céu, caia no mar e se afundava junto às dúvidas de João. Mergulhava e
voltava num suspiro a procurar de ar, de se manter descansando nas ondas que
oscilam o amor. Durante os ensaios, pedia para que o ator me apresentasse o que
ele tinha observado através do texto; o que tinha absorvido das pistas e que
havia imaginado. Onde poderia estar João nesse mundo?
Através do material
que tínhamos imaginado, colocamos o texto de lado e tentávamos criar uma imagem
que mostrasse Tereza, o amor presente que João deixa nas frases materializadas.
No primeiro encontro passamos por exercício em que buscávamos o estado do
personagem, um louco de amor, um individuo jogado no mundo, naufrago, etc. Com
essas ideias buscamos o plano de existência de João e fechamos um tipo de
personagem que tínhamos tirado das frases do texto.
No segundo encontro
tínhamos apenas a ideia do personagem, mas ainda não conseguíamos encontrar um
louco que mostrasse a existência do amor dilacerado. Foi então que partimos
para a fonte que alimentava as ilusões do personagem: Tereza. Ela seria o
mistério que assombrava as dores, o sufocamento em poesia e o desbravamento em
pensamentos. Imaginamos Tereza sobrevoando os sonhos de João, presente em sua
observação no cotidiano; uma deusa que deixa João entregue ao amor em um corpo
que já não responde as vontades próprias. Trouxemos Tereza em um vestido voando
sobre os olhos do personagem e que ali o jogo se desenvolvia para a cena.
Antes da apresentação
tinha pensado em um lugar adequado para a cena: Portal da Amazônia Belém –PA.
Uma praça que fica de frente pro Rio Guamá onde a vento, luz e pessoas
passando. Ali se desenrolou um universo onde o amor se decompunha no imenso
rio. Montamos um cenário que havia pensado e junto com o trabalho do ator
modificamos o espaço para uma instalação cênica ao ar livre. Ele me apresentou
um objeto de cena e um figurino que deixasse claro o estado do personagem.
Pista
5 – Local da apresentação da cena (Portal da Amazônia)
Durante todo o
processo sempre pensei nos delírios da personagem. Nas aulas, criava pistas que
pudessem chegar ao que havia imaginado. Entre as ideias e os desenho, criei uma
cena que buscasse todos os pensamentos que passavam na hora em que lia e que
montava junto com o ator a apresentação. A cena se deu ali, na praça, e tudo
que vivenciamos nesse processo o resultado respondeu a um processo de encenação
que despertou um grande olhar em mim. Uma observação de diretor bem detalhada,
com uma cartografia detalhada da cena. Busco guarda essas referencias em outros
processos, pois torna uma encenação bastante rica para o processo de criação
teatral.
Fotos do vestido, objeto de cena na apresentação.
Vídeo da apresentação da cena
REFERÊNCIAS
PASSOS, Eduardo; KASTRUP,
Virginia; DA ESCÓSSIA, Liliana (Org.) Pista do método da cartografia.
Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
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