Crítica teatral do espetáculo Barrela dirigida por Maycon Douglas, Grupo Os Varisteiros de Teatro
“Que
puta zona é essa?! Já não se pode dormir aqui não?!” Disse Bereco ao ser acordado
pelo bando que zoava com Portuga. Barrela traz toda violência ocorrida dentro
de uma cela de penitenciaria. Mostrando a realidade existente nos sistemas
penitenciários do Brasil. O horror, a dor, a desumanidade, revolta e pesadelo
narram uma noite entre cinco atores presidiários que mostram a dramaturgia de
Plinio Marcos com um corpo expressivo no contexto marginalizado. O espaço com
panadas pretas e uma luz baixa, coloca o expectador a sentar no chão como se
fosse um dos detentos daquele buraco fudido de merda. Em cena, um guarda rodeia
os cincos detentos balançando um molho de chave e delimitando a relação artista-espectador.
Somente um espectador rebelde se desvia para entrar em cena com Bereco, Fumaça,
Portuga, Tirica e o louco.
A
peça que foi censurada em 1958, ganha montagem pelo grupo Os Varisteiros que encerraram a segunda temporada com maior
destaque na mídia local. Barrela coloca o publico como testemunha da violência
penitenciaria. Cenas de estrupo com um garoto que passa apenas uma noite dentro
da cela e assassinato são apresentadas com desespero e agonia, onde o
espectador se junta ao bando de presos num espaço enfestado de suor, respirando
e sentido a quentura daquele ambiente. Quase como uma tortura, o olhar sensível
é pouco notado na peça. Mas pode ser visto na fraqueza de Bereco, que por
pressão dos outros da cela, quebra a regra do comando puxando um fumo e deixando
de evitar o estupro do garoto.
A
peça dirigida por Maycon Douglas tem seus autos e baixos, e a linha que narra
as cenas, vai dando volume ao espetáculo a cada ação. Quando somos colocados a
imaginar o que vai acontecer, a tensão se diminui deixando a expectativa pra
depois. Assistimos esperando algo incrível aparecer, esperando o momento corta
o pensamento e irmos de encontro com a peça, tal qual pensamento de Plínio:
Escrevi em forma de
diálogo, em forma de espetáculo de teatro, que era o que eu mais conhecia, mas
não me preocupei com os erros de português, nem com as palavras. Imaginei o que
se passara no xadrez antes, durante e depois de o garoto entrar, coisas que eu
conhecia bem de tanto escutar histórias na boca da malandragem. E dei o nome de
Barrela, que é a borra que sobra do sabão de cinzas e que, na época, era a
gíria que se usava para curra. (ver site oficial com obra de Plínio Marcos http://www.pliniomarcos.com/dados/barrela.htm)
Estamos
à mercê da violência, cumplices das mortes estampadas nas carpas de jornais, integrados
a um contexto de informação digital impetuoso. Mas o que leva o publico a se
impressionar com a apresentação? A peça montada pelo grupo Os Varisteiros, dão
forma a linguagem estupida Pliniana. Atuada vigorosamente com sangue no olho e
mostrando situações violentas mais do que atuais.
Barrela
é a quarta montagem do grupo, e foi sentida na pele a exaustão do corpo. A construção
da peça foi realizada ao longo de oito meses. Ódio, porrada, mudança de estado
de corpo, foram dando tensão a montagem que pede trabalho e construção
coletiva. Proposta ousada em encarar a dramaturgia de Plinio Marcos, que busca
na literatura marginal um dialogo forte. Uma boa releitura da obra pelos varisteiros
que avançam no que o autor escreveu, sobre um corpo dilatado além das palavras,
como fala Roland Barthes:
Ora, tenho a
convicção de que uma teoria da leitura (dessa leitura que sempre foi a parente
pobre da criação literária) é absolutamente tributária de uma teoria da
escrita: ler é reencontrar – no nível do corpo, e não no da consciência – como aquilo foi escrito: é colocar-se na
produção, não no produto; pode-se encetar esse movimento de consciência, quer
de maneira bastante clássica, revivendo com prazer a poética da obra, quer de
maneira mais moderna, retirando de si toda espécie de censura e deixando ir o
texto em todos os seus transbordamentos semânticos e simbólicos. (BARTHES, 2004)
05/10/2014
Bernard
Freire
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